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Facilidade de crédito transforma consumo em "terapia"; saiba como evitar compra por impulso

É humano sairmos de casa com uma sensação incômoda indescritível, que não sabemos direito de onde veio nem o que é. E costuma ser nesse momento que uma comprinha básica no shopping parece ser uma boa ideia para baixar a ansiedade. Com a facilidade de acesso a crediários, cartões de crédito, talões de cheques e financiamentos, comprar se torna uma tentação. O problema é que o acesso fácil tem dado margem para transformar o consumo em uma espécie de "terapia" que, além de não solucionar as tristezas, ainda dá origem a culpas e até mesmo a dívidas. “Todo mundo é vulnerável aos momentos de impulso”, afirma a psicóloga econômica Vera Rita de Mello Ferreira, representante no Brasil da International Association for Research in Economic Psychology. “O problema é que algumas pessoas têm essa vulnerabilidade como característica de personalidade e precisam consumir cada vez mais para preencher desconfortos emocionais de modo imediato”, diz.

Desculpas para comprar
Quando as desculpas são pontuais, do tipo “levei o fora do namorado e mereço me dar de presente um vestido bem sexy”, não há grandes danos, a não ser que a pessoa não consiga pagar o que comprou; mesmo assim, a dívida é pequena e fácil de ser resolvida. O risco está em transformar tais compensações em hábito. “Quanto menor for a resistência de alguém à frustração, maior será sua dificuldade emocional para abrir mão de ter bens materiais”, diz a psicanalista Márcia Tolotti, autora de “As Armadilhas do Consumo” (Ed. Campus Elsevier). É nesse ponto que muita gente começa a gastar mais do que ganha e se enrola com dívidas. O raciocínio da compensação, do “eu mereço”, aprisiona, pois não é uma troca saudável. “Uma pessoa sempre endividada financeiramente está, muito provavelmente, endividada na esfera afetiva. Sente-se devedora e contrai dívidas para poder sanar as expectativas a que julga ter que corresponder”, diz a especialista. Para Márcia, as pessoas associam, ainda que de forma inconsciente, o dinheiro à felicidade -e este é um grande erro.

Segundo Márcia Tollotti, a compra sempre vai representar algo mais profundo: inveja, angústia, baixa autoestima, ressentimento (contra os outros e contra si mesmo), frustração, competição. E as justificativas costumam incluir algumas explicações, como esquecer uma infância pobre através da ostentação, adquirir itens de luxo para esbanjar status e se sentir parte de um grupo, compensar ausência de afeto.
 

Como evitar a compra por impulso
 Um bom exercício de autoconhecimento pode promover mudanças. “A pessoa precisa se conhecer bem, prestar atenção em si mesma para descobrir que emoções quer encobrir ou evitar. Desse jeito, ela deixa de usar o consumo como compensação e, principalmente, para de pensar que merece realizar determinados gastos”, diz a psicóloga econômica Vera Rita de Mello Ferreira. “Quando ela diz a si mesma ‘eu mereço’, ela já fez uma escolha, embora não se dê conta. Ela só precisa achar a justificativa, mas já escolheu. É esse mecanismo que precisa ser quebrado”, diz. Além de procurar soluções para elevar a autoestima (inclusive terapia), sugestões mais imediatas são evitar ir às compras e sair de casa apenas com o dinheiro necessário para o supermercado, por exemplo. Cartões de crédito e talões de cheque devem temporariamente ficar escondidos.

Para Márcia Tollotti, nem sempre a consciência do problema leva à uma transformação de vida. “Enquanto a pessoa continuar a negar que consome de uma maneira que não combina com seu estilo de vida ou de se recusar a ver o que procura com as compras, não vai haver nenhuma mudança de hábito”, diz. O equilíbrio não é apenas deixar de consumir, porque a avareza, segundo especialistas, também não é uma maneira saudável de lidar com o dinheiro. É simplesmente evitar usá-lo para preencher vazios existenciais, ter uma reserva para emergências e, claro, bancar um ou outro luxo de vez em quando.

Quando comprar vira doença
 De acordo com o psiquiatra Aderbal Vieira Jr., do Proad/Unifesp (Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes da Universidade Federal de São Paulo), o consumo compulsivo é um transtorno de personalidade e precisa de tratamento adequado. O portador, em geral, é alguém com extrema dificuldade para administrar a vida doméstica –paga as contas em atraso, esquece de repor itens básicos, não consegue organizar as próprias coisas, etc. “A segunda característica é a sensação de urgência em comprar. É como se a pessoa pensasse: não compro porque quero ou porque escolho, compro porque preciso, é mais forte do que eu", diz o especialista. "Ele se angustia se não adquire algo, e é movido ainda por uma forte sensação de que, se não ceder ao ímpeto, algo muito ruim vai acontecer”.

Para o consumidor compulsivo, vale comprar qualquer coisa: de miudezas a itens de grife. O psiquiatra lembra que pessoas ricas também costumam ser dependentes de compras -mas, é claro, os prejuízos nesse caso não costumam ser graves. Já quem não tem dinheiro de sobra pode sofrer danos que vão da perda de crédito até a ruína total. “Muita gente consegue impedir que a situação chegue a esse limite, pois o endividamento por si só já é um grande problema para lidar”, diz Aderbal Vieira Jr. E como as dívidas provocam uma dificuldade de consumo, a pessoa se vê obrigada a parar. É nessa fase que muitas buscam tratamento, realizado à base de psicoterapia e medicamentos. “A espinha dorsal do processo de cura é justamente descobrir o que tanto o paciente busca preencher com a sensação de fazer compras. Responder essa questão é fundamental. Por isso, em alguns casos, os médicos prescrevem remédios para depressão e outros transtornos do humor”, diz o psiquiatra da Unifesp.

Fonte: Uol

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