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Clientes de planos de saúde recorrem à Justiça para garantir direito à internação domiciliar

 RIO - Necessitar de um home care pode ser uma dor de cabeça, muitas vezes só resolvida na Justiça, devido à resistência das operadoras de saúde em fornecer o serviço. Especialistas da área de direito à saúde alertam sobre o sistema, que deve ser considerado uma continuação da internação hospitalar iniciada, mudando apenas o local de tratamento do paciente. Há, inclusive, entendimento de que qualquer cláusula contratual de exclusão do serviço no plano de saúde é considerada nula. Na Justiça, em cerca de 90% dos casos os consumidores saem vitoriosos.

 O tratamento é oferecido por operadoras de planos de saúde e suas especificidades são ajustadas no contrato firmado com o consumidor. Nem sempre, contudo, tais determinações são cumpridas. Foi o que aconteceu com Apparecida Ricetto, de 83 anos, moradora de São Paulo. Ela perdeu a fala e teve o lado direito do corpo paralisado após sofrer um AVC em 2010. Depois de um mês de CTI, foram dois meses de internação. Para agravar a situação, ela tem mal de Alzheimer, hipertensão arterial, arritmia cardíaca e diabetes.

CONTA CHEGA A R$ 25 MIL
 Após a alta do hospital, Stella Ricetto, sobrinha da idosa, arcou com todas as despesas com material cirúrgico, aluguel de cama hospitalar, fraldas, material de higiene, entre outros itens, que chegaram a R$ 25 mil e deveriam ter sido custeados pelo plano.

 A família contratou o serviço da Cemed Care, da Amil, mas o atendimento domiciliar deu muita dor de cabeça. Sempre que precisava de uma ambulância, precisava recorrer ao Samu, serviço público, porque a da empresa não estava disponível. Durante três meses, ela ficou sem atendimento domiciliar porque os profissionais foram deslocados para outras atividades.

— Sem saber mais o que fazer, em abril recorremos a um advogado e entramos na Justiça, exigindo o cumprimento do plano executivo pelo qual pagamos e que não é barato. A liminar saiu há 15 dias, e a empresa foi obrigada a prestar o serviço, que hoje inclui técnico de enfermagem 24 horas, visita de enfermeira uma vez por semana para orientá-lo e visita semanal de médico. Eles também foram obrigados a instalar uma cama especial, oferecer sessão de fisioterapia diária e os medicamentos — explica Stella.

 A advogada Joana Cruz, do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), diz que, apesar da resistência das empresas, a boa notícia é que o Judiciário tem se pronunciado de forma majoritariamente favorável ao consumidor. No Tribunal de Justiça de São Paulo, aliás, a Súmula 90 afirma que é nula qualquer cláusula de exclusão de cobertura do serviço domiciliar, quando houver indicação médica:

— Entendo que isso se aplica também aos casos em que a empresa tenta limitar o tempo de concessão de home care, o que também é uma forma de exclusão. O serviço tem que ser fornecido pelo tempo necessário.

 Sócia-fundadora do Escritório Vilhena Silva Advogados, Renata Vilhena Silva, especialista em direito processual civil e direito à saúde, diz que a média de êxito na Justiça é de 88%. Renata afirma que, embora os processos cheguem a tramitar por até dois anos, uma vez concedida a liminar, a prestação do serviço deve ser estabelecida em 48 horas.

 Na avaliação da advogada, aliás, o home care é um serviço lucrativo para as empresas que só em 2013 registraram faturamento de R$ 100 bilhões no Brasil. Segundo Renata, as justificativas das operadoras para negar atendimento não se fundamentam nem do ponto de vista econômico, uma vez que as despesas com atendimento domiciliar de um paciente chegam a ser 60% menores do que com uma internação hospitalar, pois não envolvem custos como lavanderia, alimentação e alguns tipos de medicamentos.

 Dados do sistema de saúde revelam que em hospitais de alto custo uma internação pode girar entre R$ 4 mil e R$ 5 mil por dia. Em casa, esse custo baixa para R$ 400 a R$ 500, diz Renata. A advogada lembra que muitas empresas que oferecem serviços de home care administram também hospitais próprios para internação desses pacientes.

 Caso a cláusula que prevê o home care ou qualquer outra do contrato seja descumprida, o usuário deve denunciar a operadora à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). A empresa será notificada e terá de cinco a dez dias úteis para resolver a situação — o prazo depende da existência de risco assistencial para o consumidor.

 Após esse prazo, o beneficiário será contatado pela ANS e deverá informar se o problema foi resolvido ou não. Caso isso não aconteça, será aberto um processo em que a operadora poderá ser multada com valores que variam de R$ 80 mil a R$ 100 mil. Além da multa, os planos com grande número de reclamações podem ter a comercialização suspensa por, no mínimo, três meses. Desde o começo do monitoramento da garantia de atendimento pela ANS, 868 planos de 113 operadoras tiveram as vendas suspensas.

 Também é importante salientar que, se a operadora não oferecer o home care e houver uma indicação para internação domiciliar, a ela deverá continuar cobrindo a internação hospitalar. Entre as 36.903 reclamações feitas pelos consumidores à ANS de 1º de janeiro a 31 de maio deste ano, 202 (ou 0,55%) tiveram a palavra home care mencionada pelo reclamante. A prestação do serviço de home care também é submetida às normas da Resolução 1.668/2003 do Conselho Federal de Medicina, que determina quais os profissionais que devem compor as equipes multidisciplinares de assistência a pacientes internados em regime domiciliar, além dos tipos de serviços que as empresas de home care devem dispor.

O QUE DIZEM AS EMPRESAS
 Segundo a Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), a internação domiciliar não é uma cobertura obrigatória nos termos da lei e da regulamentação da ANS. Para a federação, a concessão do serviço é regulada em contrato entre operadora e o contratante do plano ou seguro de saúde.

 A Amil também reforça que a internação domiciliar com atendimento multidisciplinar 24 horas não é uma cobertura obrigatória. O serviço pode ser oferecido adicionalmente como alternativa à internação hospitalar, desde que preenchidos critérios como indicação médica, quadro clínico do paciente, condições estruturais da residência e concordância familiar. Os custos com materiais, medicamentos e equipe de atendimento, durante o tratamento, são de responsabilidade do plano de saúde.

 No caso citado, a internação domiciliar foi autorizada e custeada pela operadora por quatro vezes, entre 2010 e 2013. Em todas, a paciente enquadrou-se nas condições necessárias à substituição da internação hospitalar. Por fim, a Amil ressalta que existem pacientes que, mesmo necessitando de cuidados domiciliares especiais, não se enquadram nos critérios para a adoção do serviço de home care.
 
Fonte: O Globo Online

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